Um dia peguei Vinicius emprestado para fazer
brincadeirinhas metafóricas.
Um rio nascia em meio aos"Sedimentos, rochas
Ignoradas, ouro
Carvão, ferro e mármore"
dos quais eu era feita.
Um rio nascia "em busca de luz".
Achei isso bonito e
deixei o rio nascer - disseram que
bastava eu querer.
Eu quis.
Achei que podia.
Mas o que não sabia era que o rio crescia...
O rio cresceu. Cresceu em volume.
Cresceu mais e tanto que
a força das águas foi levando embora os
"Sedimentos, rochas
Ignoradas, ouro
Carvão, ferro e mármore":
matéria de que era feita.
E eu, tão pequena e frágil
diante da correnteza, não resisti
e me deixei levar.
Fui navegando ao sabor do vento,
Na aventura das águas,
No berço do seu corpo
Na sombra de seus gestos...
E o rio caiu.
O rio caiu.
"De repente, não mais que de repente"
Veio o precipício
e o rio caiu.
E como o rio e eu não éramos dois
e sim um,
eu também caí.
E quebrei.
E o que restou foi forma.
Forma triste.
E vazia.
E o rio caiu.
E o rio quebrou.
E o rio está perdendo força...
A forma triste e vazia agora
caminha com água
pela metade.
Caminha com uma peneira
garimpando
"Sedimentos, rochas
Ignoradas, ouro
Carvão, ferro e mármore":
matéria de que era feita.
E
como uma escrava
vai engolindo pedras que
(re)encontra no caminho
para que ninguém roube,
de novo,
o que ela tem de mais valioso:
Ela mesma.